sábado, 10 de abril de 2004

A Codificação Umbandista

É muito difícil dizer com precisão em que momento começou a “baixar” nas sessões espíritas kardecistas as entidades dos cultos afro, ou quando estes começaram a absorver os valores kardecistas. Contudo, a historia de formação de um dos terreiros de Umbanda mais conhecida no Rio de Janeiro, Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade, possibilita a compreensão dos princípios básicos que estruturam a nova religião.
Esse centro de Umbanda (embora tivesse sido registrado como “espírita” por imposição legal) foi fundado por um grupo de kardecistas liderados por Zélio de Moraes em meados da década de 1.920, em Niterói. Posteriormente transferiu-se para o centro do Rio de Janeiro, onde se localiza até hoje.
Segundo Diana Brown, que pesquisou as origens da Umbanda nesse período, como se vê, a ênfase no culta às divindades africanas e indígenas (consideradas pelos kardecistas como atrasadas), e a deputação desse culto para que elas pudessem “baixar” e trabalhar na Umbanda, foi uma das mais marcantes características dessa religião. Essas entidades, a principio caboclos e pretos-velhos, representando os espíritos dos índios brasileiros e dos escravos africanos, tornaram-se centrais na nova religião que se formava, proclamando sua missão de irmanar todas as raças e classes sociais que formavam o povo brasileiro.
A Umbanda constituiu-se, portanto, como uma forma religiosa intermediaria entre os cultos populares já existentes. Por um lado, preservou a concepção kardecista do karma, da evolução espiritual e da comunicação com os espíritos e, por outro, mostrou-se aberta às formas populares de culto africano. Contudo, não sem antes purifica-las, retirando os elementos considerados muitos bárbaros e por isso estigmatizados: o sacrifício de animais, as danças frenéticas, as bebidas alcoólicas, o fumo e a pólvora. Ou, então, aplicando-os “cientificamente”, segundo o discurso racional do kardecismo.



No caso da bebida alcoólica, seu uso era justificado argumentando-se que essa tinha uma ação e “vibração anestésica e fluídica” devido à sua evaporação, o que propiciava as descargas (limpezas) das pessoas ou objetos impregnados de fluidos pesados ou negativos. No caso da fumaça do fumo ou dos incensos, explicava-se que, sendo esta um gás, poderia destruir um fluido mau ou nocivo presente num ambiente, substituindo-o por outro fluido, bom e favorável. A explosão da pólvora, por sua vez, ao propiciar a deslocação de ar, atingia os espíritos perturbadores, que então se afastavam.
Partindo-se de explicações como essas, a Umbanda apresentou-se, então, como uma religião mais antiga que os próprios cultos africanos. Como “magia universal”, sua origem passou a se declarada como localizada no conhecimento esotérico e cabalístico de outros povos, como os egípcios e os hindus. Não faltou, inclusive, quem lhe atribuísse uma origem na Lemúria, um fantástico continente perdido, ou derivasse a palavra Umbanda e uma fusão de termos de origem sânscrita.

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